UM ESTUDO DE CASO NO SEMIÁRIDO CEARENSE

 
 

A MUSEOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA COMO ESTRATÉGIA DE RESILIÊNCIA FRENTE À CRISE CLIMÁTICA: UM ESTUDO DE CASO NO SEMIÁRIDO CEARENSE

Autor: Antonio Deimy Moura dos Santos

Museu Professor Beré de Potiretama

deimymor@gmail.com

RESUMO

O presente artigo analisa a relevância da museologia social e comunitária como ferramenta estratégica para a construção de resiliência e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. Utilizando a sistematização da programação da Primavera dos Museus em Potiretama e região (Ceará) – realizada entre 23 e 29 de setembro –, demonstra-se como a articulação entre o patrimônio cultural e biológico (Museus Comunitários, Casas de Sementes, Sítios Arqueológicos) e a educação formal se torna um vetor essencial para a sustentabilidade local. A metodologia baseia-se na análise documental da programação e na discussão de suas implicações teóricas, focando na intersecção entre história, biologia e agência social. Conclui-se que o museu, em sua vertente comunitária, transcende a função de custódia do passado, atuando como um agente ativo engajado na formulação de respostas coletivas aos desafios socioambientais do presente.

Palavras-chave: Museologia Social; Crise Climática; Patrimônio Comunitário; Resiliência Socioambiental; Semiárido.

ABSTRACT

This article analyzes the relevance of social and community museology as a strategic tool for building resilience and mitigating the impacts of the climate crisis. Using the systematization of the Museums Spring program in Potiretama and region (Ceará) – held between September 23rd and 29th – the study demonstrates how the articulation between cultural and biological heritage (Community Museums, Seed Houses, Archaeological Sites) and formal education becomes an essential vector for local sustainability. The methodology is based on the documentary analysis of the program and the discussion of its theoretical implications, focusing on the intersection between history, biology, and social agency. It is concluded that the museum, in its community aspect, transcends its function as a repository of the past, acting as an active agent engaged in formulating collective responses to current socio-environmental challenges.

Keywords: Social Museology; Climate Crisis; Community Heritage; Socio-Environmental Resilience; Semiarid.

 
1. INTRODUÇÃO

A crise climática impõe um imperativo de adaptação que tange todas as esferas sociais, incluindo a cultural. Neste cenário, a Museologia Social (SCHÄRER, 2017) surge como um campo teórico e prático capaz de redefinir o museu, deslocando-o de um espaço de contemplação para um catalisador de ação comunitária e desenvolvimento local.

O presente artigo examina a programação de eventos realizada em Potiretama e comunidades vizinhas (Ceará), no âmbito da Primavera dos Museus, como um estudo de caso da atuação museológica frente ao desafio climático. O foco da programação – que incluiu seminários, apresentações audiovisuais e tours educativos – foi a interconexão do patrimônio cultural e biológico com a resiliência socioambiental.

O objetivo central desta análise é demonstrar como a valorização e a articulação dos saberes e do patrimônio local, mediadas por iniciativas museológicas de base, constituem ferramentas de resiliência indispensáveis em territórios vulneráveis, como o Semiárido.

2. METODOLOGIA E ESTRUTURA DA PROGRAMAÇÃO

A pesquisa baseia-se na análise documental da programação e dos eixos temáticos propostos nos eventos ocorridos entre os dias 23 e 29 de setembro. A programação se desdobrou em três eixos principais de atuação:

  1. Patrimônio Biológico e Resiliência Futura: Enfatizado no Tour pela Comunidade e na visita à Casa de Sementes em Catingueirinha, destacando a importância das sementes crioulas.

  2. Patrimônio Histórico e Vulnerabilidade Climática: Abordado pela palestra sobre Trilhas Arqueológicas, discutindo a proteção de sítios contra a erosão e o aumento do nível do mar.

  3. Museologia Social e Agência Comunitária: Desenvolvido nas mesas de debate e palestras que focaram na participação social na construção do museu e na valorização dos saberes ancestrais (comunidades quilombolas e indígenas).

A estrutura da agenda se apresentou de forma linear, porém integrada, com picos de atividade nos dias 23, 25, 28 e 29 de setembro, utilizando majoritariamente as escolas como lócus de difusão.

3. RESULTADOS: A SINERGIA ENTRE MEMÓRIA E ADAPTAÇÃO

A programação evidenciou uma sinergia prática entre a custódia da memória e a preparação para o futuro:

3.1. O Patrimônio Biológico como Tecnologia Social

O evento de abertura – "Um Tour pela Comunidade: Conhecendo o Museu Comunitário e a Casa de Sementes" [Dia não especificado] – estabeleceu o tom ao apresentar a Casa de Sementes como um elemento de "patrimônio mundial da vida e da memória". As sementes crioulas, adaptadas por gerações, são tratadas como uma tecnologia social e biológica de baixo custo e alta relevância, garantindo a resiliência alimentar e a capacidade de adaptação futura em um cenário de instabilidade climática.

3.2. A Arqueologia como Testemunha e Alerta

A palestra sobre Trilhas Arqueológicas [No mesmo dia do Tour, às 18:30], proferida pelo Dr. Mário Martins Viana Júnior, introduziu a discussão sobre a vulnerabilidade do patrimônio histórico à crise climática. O sítio arqueológico, enquanto testemunho de adaptações humanas passadas, é hoje ameaçado pela erosão acelerada e pela elevação do nível do mar. Proteger essas trilhas não é apenas uma ação de conservação histórica, mas uma forma de educação ambiental que utiliza a longa história da relação humanidade-natureza como ferramenta pedagógica.

3.3. Educação e Agência Comunitária

A forte presença nas escolas (dias 23 e 25), com o uso intensivo de vídeos e documentários, demonstrou o investimento na sensibilização das novas gerações. Essa estratégia visa conectar o conhecimento abstrato sobre o clima à história e identidade local, tornando o desafio mais tangível.

O debate sobre a participação social na construção de museus [Data não certa] foi crucial, reforçando que a sustentabilidade e a relevância de uma instituição comunitária dependem de ser construída com a comunidade.

Este princípio culminou na palestra do dia 29 de setembro, que destacou a importância de dar visibilidade aos conhecimentos ancestrais de comunidades quilombolas e indígenas. Estes saberes, sobre manejo e adaptação, são vistos como essenciais na busca por respostas coletivas e sustentáveis, posicionando o museu como um aliado na luta por direitos e na valorização de culturas historicamente marginalizadas.

4. DISCUSSÃO: O MUSEU PARA ALÉM DA CUSTÓDIA

A sistematização de Potiretama oferece um modelo de museologia de emergência, onde a instituição de memória é transformada em um ator de desenvolvimento. A ligação constante entre a preservação cultural/histórica e a crise climática demonstra que a memória não é um fardo estático, mas um recurso dinâmico:

  • Da Custódia à Tecnologia: A Casa de Sementes é a metáfora perfeita, transformando um objeto de preservação (semente crioula) em uma ferramenta de tecnologia biológica para a resiliência futura.

  • Do Passado ao Futuro: O encerramento do ciclo na comunidade (dia 28, com a Apresentação de Videocário) reforçou a ideia de que o entendimento da história local é a chave para a formulação de respostas à crise climática.

Este estudo de caso ressalta a tese de que a museologia social, ao incorporar a perspectiva da justiça histórica e ambiental (valorizando saberes de grupos vulneráveis), amplia seu alcance, tornando-se uma disciplina fundamental no front da crise climática.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência da Primavera dos Museus no Semiárido cearense ilustra a capacidade do museu comunitário de atuar como um catalisador de resiliência. Ao articular o micro (a semente crioula, a história local) com o macro (a crise climática global), a programação conseguiu engajar diferentes públicos e utilizar o patrimônio como uma fonte de inovação e agência social.

É imperativo que outras instituições de memória adotem essa postura engajada, transformando a memória local em uma ferramenta prática para a sustentabilidade. O desafio da museologia do século XXI é ir além da documentação para promover a ação coletiva, garantindo que as páginas da história e do conhecimento local não sejam apagadas pelos efeitos da mudança do clima.


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